Por estes dias fez 5 meses que cheguei à Guiné... exactamente os mesmo 5 meses desde que saí de casa...
Sair de casa não significa apenas deixar o espaço físico em que vivemos... Quando se sai de casa, perde-se toda a segurança do lar, da família, dos amigos, da rotina e de todo um sistema a que estamos habituados. E, se o fazemos, e' porque somos loucos ou então porque temos fortes motivos para o fazer. Ficar longe de casa significa ficar longe de tudo o que nos da' a confiança de que necessitamos para viver o nosso dia a dia.
Assim, quando se parte para longe, parte-se com um objectivo… com motivações… com expectativas… criamos imagens, situações, idealizamos um sonho de vida, apesar de termos plena consciência de que não será' fácil.
Temos tendência a dizer que partimos de coração aberto, que acolheremos tudo o que recebermos em termos de cultura, atitudes, maneiras de ser, de fazer, de estar e de agir… não e verdade! Quando chegamos, apercebemo-nos da grande quantidade de expectativas que criámos, de tudo o que idealizámos… e prova disso, são as frustrações que muitas vezes temos por aquilo que vivemos não coincidir com aquilo que imaginámos viver ou que quereríamos viver…
Por outro lado, não adianta dizer que sabemos que não será' fácil, pois não imaginamos o quão difícil poderá' ser…
Quando dizemos que sabemos que teremos momentos difíceis, em que pensamos afinal? Nas saudades? Na frustração de vermos que o nosso trabalho não tem resultados imediatos? Sim, tudo isso acontece… mas não são os momentos piores.
Com as saudades aprendemos a lidar desde que nascemos… e a frustração de não ver resultados, acaba por ser compensada pelos “resultados” que vemos noutros campos: nas relações com as pessoas, na partilha que vivemos… o pior são os outros problemas… que podem surgir por mil e uma razoes, e com que nem sequer sonhamos.
No fim de contas, são problemas semelhantes aos que temos por casa, e talvez por isso se tornem tão negativos e tão frustrantes – e' que quando partimos, achamos que deixaremos os nossos defeitos em casa, achamos que seremos perfeitos a viver num mundo perfeito… mas, surpresa das surpresas, toda a nossa personalidade vai connosco, todos os nossos defeitos nos perseguirão e nos trarão muitas complicações.
Mas deixemo-nos das coisas menos boas… se tudo isto e' negativo, também tudo isto provoca em nos algo muito positivo: trata-se de um profundo trabalho de auto controlo, auto conhecimento; de aprendermos a estar sos com o nosso eu, a reflectir e a meditar… e a ter muita, muita paciencia.
Todas estas dificuldades nos levam a limar algumas das nossas arestas, coisa que nunca fariamos na proteccao das nossas “casas”… de facto, temos que amadurecer muito, aprender a ter calma, a respeitar o tempo e o espaco das pessoas – mesmo que muitas vezes não coincida ou que entre em choque com o nosso.
E depois, ha' todo um conjunto de diferencas a contemplar em tudo o que nos rodeia... o que podemos aprender e' infinito... e belo! Ha' momentos unicos, que so podemos ter “longe de casa”...
Muita gente fala no “espirito africano” que contagia e cativa qualquer pessoa que o sinta – confirma-se. E' algo que não tem explicacao, que se sente no ar, nos cheiros, nos ritmos, nos rituais, nos sorrisos e nas paisagens... algo que inunda todo o nosso ser e nos faz sentir bem e querer fazer parte de tudo isso que nos rodeia.
Temos tendência a habituarmo-nos de tal forma ao que nos rodeia, que fazemos deste o nosso c. Por vezes e' preciso parar para olhar... para sentir...
Aprendemos muitas coisas longe de casa, desprotegidos – aprendemos outras formas de viver, de sentir, de pensar... e aprendemos principalmente a questionar e a relativizar... aprendemos a dar valor a coisas que antes punhamos de parte... e aprendemos a viver a solidao...
No fim de contas, e' como se nascessemos outra vez... somos como criancas a descobrir o mundo que nos rodeia... uns dias rimos com as surpresas, outros dias choramos com as quedas ou os medos... mas o que importa e' que, aos poucos... vamos crescendo...
21 de Junho de 2008
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