Cansaço de viver o que não se escolhe viver...
Cansaço de sentir o que não se quer sentir...
Cansaço de sorrir quando não se quer sorrir...
Cansaço de fraquejar quando se tem que ser forte...
Cansaço de chorar quando tudo pede para sorrir...
acordar, de manhã e não saber o caminho que se quer seguir, saber que o coração pede uma coisa que a razão não nos permite viver...
levantar da cama, e fazer tudo, mecanicamente, obedecendo cegamente à rotina que a razão nos traçou...
passar o dia a fazer aquilo que uma sociedade a passar por uma crise de valores definiu como correcto e aceitável...
não cometer loucuras... e pouco fazer daquilo que realmente se quer fazer...
deitar na cama e pensar em tudo o que foi mais um dia de pesado cansaço...
dormir... e passar momentos agradáveis apenas entre nós... entre o eu adormecido e o eu insconsciente...
e acordar novamente... para mais um dia de produção mecânica sem que a fábrica possa avariar...
demasiado passivos? (pensamos... )
talvez muito conformados? (sentimos...)
cobardes? inseguros? fracos? loucos?
talvez apenas demasiado realistas e observadores... talvez muito conscientes do mundo e da vida... talvez demasiado "videntes" do futuro...
cansados, acima de tudo...
desesperados por uma cura para o cansaço... conhecendo perfeitamente os medicamentos, mas sem força nem motivação para os usar...
por outro lado... demasiado conhecedores do que queremos, demasiado conscientes do que nos faz bem, demasiado psicólogos de nós próprios, demasiado!...
e muito ansiosos, incrivelmente ansiosos por viver momentos que nos fazem bem, por conseguir esses momentos... a que damos tanto valor e que mais cansados nos fazem ficar... porque quanto mais os valorizamos, mais desvalorizamos tudo o resto...
extremos, opostos, separados por um longo caminho, que cada vez se torna maior, aumentando também o esforço que temos que fazer por nos equilibrar...
fazendo acumular cada vez mais o cansaço...
esse cansaço tremendo de viver, não, de morrer!
de morrer em cada rotina, em cada levantar mecânico, em cada dia vivido por viver...
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
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